domingo, 8 de setembro de 2013

A Insustentável Leveza do Ser

*post original de Pela Memória do Gosto, publicado em 23/07/2012.

É sempre assim. Parece que mulher gosta de viver na roda gigante, saindo lá de baixo para ir até o topo e voltar ao lugar pé no chão sem grandes paisagens admiráveis. Nunca aprende a dar ponto com nó, a alcançar o tão sonhado equilíbrio e a tal da paz de espírito.
Era em um desses momentos que se via. Estava doida pra sair daquele ponto, realidade mirradinha, os pés enraizados ao solo de concreto infértil, vendo-se gorda e incapaz. Porque termômetro de mulher pra mudança é quando se sente gorda e incapaz. Quando a gente consegue sentar-se no sofá depois de uma quarta-feira de trabalho e comer qualquer coisa que ultrapasse as 200 calorias sem culpa nenhuma ou sem ao menos verificar se aquilo tem 200 calorias e DEPOIS ir jantar, é porque estamos lá embaixo na roda-gigante, todas dividindo a cabine mais perto do chão de todas. Aquela que nem subir consegue por causa do peso. Nos esmagando lado a lado com a numérica circunferência de nossas bundas gordas.
Precisava reciclar-se. Comprar roupas, trocar a cor e o corte do cabelo, gastar rios de dinheiro com maquiagem e, depois, sair na rua pra ouvir caminhoneiro assoviar e gritar "Gostosa!. Mas não adiantava. A bunda continuava gorda. Sabia que estava naquele ponto, no ponto em que o espelho parece ser seu pior inimigo, andando atrás de você e lhe xingando o dia todo, enquanto a balança vem logo atrás gargalhando do balancê das suas nádegas flácidas enquanto você foge da realidade. Péssimamente pesado.
Queria ser leve. Precisava flutuar de leveza, igual às mulheres que comem salada o dia todo, fazem yoga e andam com o frasquinho de água termal para borrifar em suas peles lindas e ruborizadas de saúde. E enquanto usam algum desses absorventes milagrosos que passam no intervalo da novela, fazendo as mulheres flutuarem até naqueles dias. Bem na hora que você está comendo a oitava fatia do bolo de rolo que a tia Maria trouxe de nordeste especialmente pra gordinha da família, dizendo "Ai, trouxe pra você, sei que adora doces!".
Não conseguia esse equilíbrio. Sua idéia de felicidade plena incluia uma dieta onde fosse possível comer de tudo sem depois ficar ao menos meia hora sentada com o olhar vago e a mente fixa na idéia de que podia ter maneirado na comilança. De que adiantava a vida sem os sabores da alegria?
Mas precisava mudar. Era a única mudança que lhe cabia naquele momento, as outras estavam lhe apertando a cintura. Sabia que conseguia, era uma dessas pessoas radicais. Que quando colocam em mente um plano, vão com ele até o fim. Ou até o próximo pedaço de torta de damasco. Só um pedacinho, metade da fatia, não vai fazer mal.
Então estava decidida. Daqui pra frente, carboidratos só até as 18h00, muito chá verde, salada de pepino e suco de clorofila. Doces nem pensar, a refeição da noite estava suspensa. Se sentisse fome, que bebesse água, ajuda a enganar o estômago dramalhão.
Mas hoje é quarta-feira. Não se começa dieta em meio de semana, não dá certo, atrapalha toda a logística. Deixa pra semana que vem. Qual vai ser a sobremesa pra depois do jantar?

Por Dias com Mais Bolos

*post original de Pela Memória do Gosto, publicado em 09/05/2012.

Aquilo havia de ser solucionado de alguma forma, o problema lhe consumia as energias, lhe devorava todas as esperanças.

Mas o que fazer? Maldita hora que saiu de casa, foi morar sozinha, cadê a mãe quando a gente mais precisa? De certo está dormindo, essa hora deve estar sonhando ter uma filha que resolve as próprias pendências.

Porque isso que era. Parecia-lhe que a vida era toda feita de pendências, a dieta que desandou, a reforma que lhe deixou só uma metade do quarto com tinta nova, a receita do bolo de banana com goiabada que ficou de pedir à avó. Tudo planejado, nada concretizado. As coisas andavam mais embaralhadas do que se podia administrar.

Ah, mas que saco, eu precisava acender um cigarro. Eu, só eu e essa noite de outono indecisa que parece implorar para o inverno que a deixe ser mais fria, enquanto o verão lhe pede que seja brisa... Mas não tem nada nos maços vazios, já estava prometido. Sem cigarros, no máximo nos finais de semana, depois daquela cervejinha na madrugada de sexta feira, um último trago que lhe transformava a promessa de parar de fumar em mais um de seus planos fracassados. Melhor ir atrás de uma xícara de chá.
Abre armário, pega a chaleira sonoramente, bate a porta com força, fazendo o resto das panelas empilhadas caírem de forma a esquematizar uma armadilha ao próximo aventureiro de cozinha que ousar procurar por uma frigideira.

Tic tac, tic tac. Esse tempo que não passa, essa água que não ferve... Mas que merda, que chá o que, eu preciso é de algo doce. Procura, procura, procura... Tinha de haver um daqueles bolinhos industrializados, pacotinho de bolo Ana Maria, uma busca inútil por algo que não haveria ali, isso ela já sabia... Esse é o mal de quem mora sozinho: não há de quem roubar doces quando se precisa devorar fervorosamente uma boa dose de glicose, não existe mais o rocambole de goiabada que o pai comprou pra comer quando chegasse do trabalho.

Mas como se sua vida se bastasse naquilo que viesse pronto da gôndola do supermercado... Vamos lá, se tem uma coisa que aprendeu bem nessa vida foi cozinhar. Abra mais armários, bata mais portas, ai meu pé panela maldita, quem foi o idiota que fechou esse armário e esmagou todas as panelas desse jeito, eu preciso da assadeira que está lá no fundo.

Bolo de cenoura. Bota aqui, mede ali, joga tudo no liquidificador. Eu quero coisa rápida, quero colocar no forno e ir sentar em frente ao computador sem lavar a louça. Talvez pudesse acender um cigarro enquanto espero. Se tivesse cigarros.

Forno pré-aquecido, assadeira untada, assar até o palito sair seco. Não abrir o forno antes de dar 30 minutos, ou o bolo fofinho vira sola de sapato. Abre, preguiça de pegar o palito, vai o garfo mesmo, bolo meio cru, fiz uma cratera no bolo, já era previsto mas a teimosia teimou, fazer o quê. Hora da calda de chocolate.

Tá aí uma coisa que nunca conseguiu se desvincular. Calda de chocolate, daquelas bem ralinhas, que caem e penetram em cada furinho do bolo, deixando aquela mordida com a surpresa de estar toda marmorizada pelo petróleo açucarado no meio e só uma casquinha bem fininha e crocante por cima. Odiava quando queria um bolo de cenoura e lhe vinham com aquele pedação laranja com um brigadeiro mole por cima. Era bom, mas tinha gosto de bolo com brigadeiro. Não tinha gosto de bolo de cenoura fresquinho que a mãe fez e guardou cortado em quadradinhos na Tupperware em cima do fogão, onde as formigas não costumavam atacar.

Quarenta e cinco minutos, cravados, a mãe sempre dizia que se passasse disso o fundo ficaria com aquela crosta beirando o queimado. Espeta o garfo de novo, sai limpinho. Tira do forno joga a calda no bolo fumegante, ela sabe que tem demasiado, mas mente para si mesma, entornando mais calda naquele buraquinho já alagado.

Não tem coisa mais aconchegante do que pedaço de bolo quente. Corta um pedaço e devora-o sentada no sofá. Três vezes.

Está farta, a barriga cheia. Talvez até enjoe durante a madrugada. Mas o coração acalmou. Amanha de manhã a gente pensa em como vai resolver aquele problema. Hoje o dia acabou em bolo. E isso nunca pode ser de todo ruim.

Até se esqueceu da vontade de fumar. Levanta e resolve ir lavar a louça antes de deitar-se. Por incrível que pareça, terminou algo planejado. Fez, assou, comeu, sujou e lavou. Até as coisas mais difíceis podem acontecer repentinamente, quando menos se espera.


Melhor deixar a mãe dormir em paz. Ela deve entender as maluquices que sonha.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Falta-me


Tenho saudades. De sentar nesse banco velho e desenrolar esse pergaminho grotesco. Tenho saudades do cigarro proibido acompanhado de um gole de indecisão. Tenho saudades até dos clichês baratos como o anteriormente citado, tenho saudades de me preocupar com as colocações.
Tenho saudades de tantas coisas envolventes, atraentes, indecentes e tenho saudades dessa evasão enorme, desse escapismo que deixa a vida tão mais bela.

Bonito seria transformar saudade em lacuna preenchida, seria não se esquecer jamais do que verdadeiramente entranha-te a alma.
Mas não façamos de tudo isso uma nostalgia sem fim, muito menos de uma revolução solitária denunciada pelos olhares desconfiados.
Apenas não percamos nossas essências, não percamos nosso mais puro néctar....
Sereno é.